Guilherme Costa, que nadou em Itaguaí até 2016, venceu seletivas e vai representar o Brasil em três provas; atleta precisou ser isolado da família para não contrair Covid-19
ITAGUAÍ - E o Cachorrão, acostumado a vencer tudo o que disputa, está confirmado em Tóquio. O nadador Guilherme Costa, cujo apelido canino foi obtido em uma piada já folclórica dos amigos (Guilherme foi atacado por um pitbull em Angra dos Reis, quando estava em férias, e o bicho misteriosamente apareceu morto dias depois), vai disputar os 400, 800 e 1500 metros nas Olimpíadas de Tóquio, em julho deste ano. O feito extraordinário teve um contexto alarmante: o primo e os pais de Guilherme foram diagnosticados com Covid-19 dias antes dele disputar as seletivas, no Parque Maria Lenk, na Barra da Tijuca. Some-se a isso o longo período de incertezas da pandemia e parte da preparação sem piscina e sem data para as provas de perseguição pelo índice: eis o tamanho da superação do jovem atleta de 22 anos.
Guilherme começou a nadar em Itaguaí aos seis anos, em uma escolinha de natação no Morro do Corte. Ele e a família moraram na cidade até 2016, ano da virada na carreira do jovem nadador. Depois, precisaram mudar para a Barra da Tijuca para que ele progredisse como um atleta extraordinário. Era necessário ficar mais perto dos centros de treinamento, que passaram a ser uma rotina exaustiva e disciplinar, como é praxe na vida de qualquer campeão.
Guilherme venceu em todas as categorias que disputou. Aos 14 anos tornou-se o número 1 do Brasil na categoria Infantil (em 2012). Nas categorias seguintes, como Junior 1 e 2, o melhor do Brasil de novo. Como juvenil, mais uma vez. Como adulto, conquistou muitos títulos: Campeão sul-americano absoluto - 400m livres (2018); Campeão do Open France – 400m livres (2018); US Open em Atlanta (EUA) - três recordes sul-americanos (2019); Ouro no Pan-americano nos 1500m livres (2019, em Lima); Campeão Sette Colli (Itália) - 800 e 1500 livres, dentre outros.
Foram 20 títulos brasileiros absolutos e 13 recordes sul-americanos nas provas de 400, 800 e 1500m livres. A lista de vitórias é extensa, mas a que ocorreu na seletiva para Tóquio tem, certamente, um sabor especial.
DESAFIO GIGANTESCO e COVID-19
O drama de Guilherme para manter-se em forma com o adiamento da Olimpíada (que seria em 2020) e focar até as seletivas foi (e tem sido) o mesmo de vários outros atletas com potencial olímpico, com uma diferença básica: um nadador precisa de uma piscina. E, durante algum tempo, Cachorrão precisou adaptar-se à minúscula piscina do condomínio onde mora e improvisar uma academia em casa. O Parque Maria Lenke, com uma excelente estrutura de musculação e de piscinas, foi fechado por causa da pandemia. Vez por outra conseguia-se uma piscina maior, mas manter o foco em uma situação tão adversa, sem a estrutura adequada, poderia comprometer o rendimento.
O envolvimento da família foi fundamental. Guilherme precisa não só praticar exercícios quase que diariamente, como também não pode descuidar da alimentação, por exemplo. É a família que propicia a ele não só o estímulo, mas a logística trabalhosa de colocar na frente do campeão tudo o que ele precisa comer, e na hora certa. Nada de alimentos processados, e um detalhe: um atleta do nível de Guilherme tem todas as calorias e horas do dia contadas para ingerir o necessário, sob supervisão de vários profissionais.
Com o passaporte olímpico em mãos: o atleta teve que ser isolado para não contrair Covid da família - Satiro Sodré/SSPress/Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos
Pois a família, tão importante na preparação do atleta, teve que enfrentar um momento difícil, bem perto da hora decisiva. Rafael Governo, o primo que mora com Guilherme e os pais dele (Cláudia e Nildo), contraiu Covid. Rafael apresentou os sintomas no dia 11 de abril, fez o teste e confirmou o diagnóstico no dia 12. A disputa pelo índice olímpico estava marcada para o dia 19. No dia 13, mesmo dia em que Claudia e Nildo também apresentaram sintomas de Covid, Guilherme hospedou-se no hotel Hilton, na Barra da Tijuca, para isolar-se dos familiares doentes.
“Ele ficou muito preocupado com a gente, e nós com ele, mas agimos rápido para isolá-lo no hotel para que não houvesse qualquer risco. Felizmente conseguimos, hoje não temos mais sintomas e não transmitimos mais o vírus. A gente se falou todos os dias, mas é claro que a Covid trouxe um estresse a mais na preparação, algo que a gente não esperava”, contou a mãe do Cachorrão.
Além de ter que superar os desafios de uma preparação cheia de incertezas (em determinado momento da trajetória nem se sabia se haveria ou não Olimpíada), uma doença com potencial de morte apareceu na família a poucos dias de um momento decisivo na carreira de Guilherme.
Dizer que a superação foi alcançada graças à determinação do atleta talvez seja pouco para tentar explicar as vitórias nas três provas que disputou nas seletivas.
OBTENÇÃO DO ÍNDICE COM RECORDES
A primeira seletiva que Cachorrão disputou foi no dia 19 de abril. Em disputa, uma das duas vagas para os 400m livres. O tempo a ser batido era 3’46’78.
Pois Guilherme bateu o recorde brasileiro e o sul-americano: fez em 3’45’85.
No dia 21, segunda etapa, estava em disputa a vaga para os 800m. O índice a bater era 7’54’51. Guilherme nadou em 7’50’08 (0 melhor tempo dele nessa prova é 7’47’37).
No dia 22, a disputa era pela vaga dos 1500m. Era preciso ficar abaixo dos 15’00’99. Ele fez em 14’59’21.
Graças a esses resultados, ele garantiu a vaga para disputar essas provas representando o Brasil nas Olimpíadas de Tóquio.
TÉCNICO VAI MANTER PREPARAÇÃO
Rogerio Henrique Decat Karfunkelstein treina Guilherme Costa há 11 anos. Sobre o treinamento em tempos de pandemia, ele comentou: “Toda dificuldade é uma oportunidade. Encaramos dessa forma essa etapa. Aproveitamos tudo o que podíamos, melhorando a cada dia. Entendemos que teríamos um ano a mais de preparação para melhorar algumas coisas, e foi isso o que fizemos”.
Rogerio Karfunkelstein, treinador de Guilherme há 11 anos, diz não pensar nas chances de medalhas agora: "é hora de pensar na melhor preparação possível" - Arquivo pessoal
Com a obtenção dos índices, Rogério disse que agora Guilherme ganha em motivação e expectativa, mas que o padrão de treinamentos será mantido: “bastante quantidade e qualidade”, resumiu o técnico, que prefere não arriscar prognósticos de medalha: “não penso nisso, penso somente em realizar o trabalho da forma como planejo. Se isso acontecer, acho que ele chega em muito boas condições em Tóquio. Depois, é transformar isso tudo em competição. A expectativa agora é a da melhor preparação possível. Se isso ocorrer, um bom resultado pode vir, sim”.
Do Morro do Corte para o mundo: vai ter Cachorrão nas piscinas de Tóquio, sim. E com chances reais de medalha.
Via: O Dia
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