Almirante que preside a estatal foi eleito um dos 100 mais influentes no setor energético e garante que empresa vai depender menos financeiramente do governo
ITAGUAÍ - Uma empresa que, na crise, se reinventa: assim é a Nuclep, segundo o homem que a preside desde 2017 e que acaba de ser eleito, pelo Grupo Mídia / Full Energy do Brasil, um dos 100 mais influentes da década no setor energético brasileiro. É uma espécie de “Oscar da Energia”, em que os vencedores são eleitos por um site e por pesquisa com as pessoas mais importantes da área. O Almirante Carlos Henrique Silva Seixas usa da modéstia ao dizer a O DIA que o prêmio é da Nuclep, e não dele. Os desafios da sua gestão vão sendo superados lentamente, como é próprio do setor nuclear brasileiro – que começou na década de 1980 – e a difícil meta é depender financeiramente menos de aportes do governo federal, o que ele prevê que será possível em meados de 2023.
Mesmo operando no vermelho há muito tempo, a Nuclep, fundada em 1975, continua a ser uma das importantes indústrias de material pesado no Rio de Janeiro e no Brasil, não só por sua função estratégica no setor de defesa, energia nuclear e óleo & gás, mas também por sua função de qualificação de mão de obra especializada.
Mais recentemente, a empresa decidiu investir na produção de torres de energia para obter a tão sonhada autossuficiência econômica. Hoje a Nuclep conta com cerca de 1,3 mil funcionários (780 deles efetivos) e desde o ano passado tem sido alvo de especulações sobre a sua privatização – algo sobre o qual o Almirante e presidente não é exatamente contra, mas só é favor mediante determinada condição que ele conta nesta entrevista.
Além da novidade ao inserir-se no mercado das torres de transmissão, a atuação da estatal tem sido no atendimento às usinas de Angra (por isso instalar-se em Itaguaí foi importante, para ter acesso facilitado pela Rio-Santos), à Petrobrás e à Marinha, com quem colabora na empreitada inédita de construir um submarino de propulsão nuclear (não somente um, revela o Almirante).
Seixas é oficial General da Reserva da Marinha do Brasil promovido à Contra-Almirante em 2010. Ele é Mestre e Doutor em Ciências Navais, especializado em Histórias das Relações Internacionais. Em sua carreira na Marinha do Brasil esteve a trabalho no Chile, Portugal e EUA. Em julho de 2016, chegou à Nuclep como diretor administrativo da empresa e acumulou a Presidência interinamente em abril de 2017, depois a assumiu de forma efetiva. Está no seu penúltimo mandato possível, segundo as normas da estatal.
Ele respondeu a perguntas sobre os desafios da Nuclep, sua escolha como personalidade influente no setor, relações com os governos municipais e como surgiu a ideia de diversificar sua produção para diminuir a dependência financeira do governo federal.
Que tal ser um dos 100 mais influentes da Década na Energia? No que consiste sua influência?
SEIXAS: Fiquei muito contente com a indicação, mas não como uma conquista pessoal, e sim pela Nuclep, que é muito importante para a Marinha. A influência não está na pessoa do presidente, mas na companhia dentro do segmento nuclear. Não faço nada sozinho. Como sou da Marinha, o hábito é trabalhar sempre em equipe, por isso divido esse prêmio com a companhia e com os funcionários.
Já tinha atuado antes no setor?
SEIXAS – Entrei na Nuclep em 2016 como diretor administrativo e em 2017 assumi a presidência. O setor nuclear para mim era novo, mas o fundamental para a minha indicação foi o fato de que na minha carreira na Marinha tive um cargo similar ao que tenho hoje na Nuclep: fui comandante da base Naval do Rio de Janeiro. A base fazia reparos em navios, então eu já tinha experiência na construção e reparos industriais. Isso certamente me ajudou na função.
O Almirante da Reserva e presidente da Nuclep, logo depois de uma reunião: investir em novos produtos é o caminho para o sucesso da estatal criada no final da década de 1970 - Divulgação - Nuclep
Em que condições encontrou a Nuclep e quais foram as mais recentes transformações da empresa durante a sua gestão?
SEIXAS – Em 2016, a empresa tinha pouco serviço: estava apenas terminando as últimas seções do último submarino. Não tinha mais nada de produto. Investimos no sentido de finalizar alguns equipamentos para a Usina Nuclear de Angra III. Passamos a atuar também junto à Petrobrás e, mais recentemente, no setor elétrico, com a construção de torres de transmissão de energia. Houve uma diversificação, tentamos atuar em outros mercados. Algumas vezes não obtivemos sucesso, mas as demais evoluíram bem e os prognósticos são bons.
Qual é a importância da Nuclep para o setor nuclear e energético no RJ e no Brasil?
SEIXAS: A Nuclep é uma empresa estratégica de defesa, importante por atuar junto às usinas nucleares e à Marinha. Ela está em Itaguaí não por acaso: está perto da Rio-Santos para ter acesso rápido à Angra e na cidade há, também, uma Base da Marinha. A Nuclep é a empresa que constrói equipamentos e colabora com a manutenção deles nas usinas nucleares de Angra, e isso é muito importante. Começamos a atuar no setor energético na construção de torres de transmissão e, com isso, a intenção é participar cada vez desse mercado. Hoje no Brasil não há empresa privada capaz de atuar no setor nuclear como a Nuclep atua. O segmento é muito oneroso, com baixa lucratividade, investe muito para obter as certificações exclusivas que permitem atuar no setor, e por essa razão a Nuclep é muito importante por ser estratégica e por ser a única com determinadas competências industriais.
Em um período de tantas dificuldades e de retração na indústria nacional, a Nuclep conseguiu se manter bem durante a crise?
SEIXAS: Não tem sido fácil. O setor sofreu uma grande regressão. Estamos tendo dificuldades, por exemplo, em obter insumos. O mercado está em escassez. Estamos passando, sim, um momento complicado, mas com a diversificação da carteira e de clientes, temos conseguido nos manter. Por exemplo: estamos construindo o Bloco 40, que vai sustentar o propulsor nuclear do submarino que está sendo desenvolvido pelo Brasil. A Nuclep construiu o vaso do reator. Vamos entregar tudo até 2023. O investimento em produção de torres de energia também vai gerar bastante lucro com contratos que vamos celebrar em breve com mais clientes.
Fachada da Nuclep: com cerca de 1,3 mil funcionários, ideia de privatização pode não ser exatamente ruim, diz Seixas - Divulgação - Nuclep
Por que a decisão de fazer da Nuclep uma empresa que produz torres de transmissão de energia?
SEIXAS: A Nuclep foi construída dentro da realidade do mercado nuclear brasileiro, um setor conhecido por ser muito moroso e de pouco investimento. Era necessário faturar mais e diminuir a dependência do orçamento da União. A Nuclep não tinha um “item de prateleira”, algo que vendesse continuamente, para isso acontecer. Em 2019, assisti uma palestra em que o Almirante Bento, que tinha sido designado Ministro das Minas e Energia, disse que seriam instalados 55 mil quilômetros de linhas de extensão no Brasil. Foi dali que surgiu a ideia. Estamos entrando para suprir uma demanda. As empresas que já atuavam no mercado não conseguem supri-la. Não se trata de tomar o lugar de alguma empresa, disputar espaço, e sim de ser mais uma opção em um mercado que não produz o suficiente para suprir a demanda, o que faz toda a diferença nesse caso. Já estamos produzindo, e temos condição de produzir 2,6 mil toneladas por mês. A meta é chegar, daqui a três meses, a produzir 3,5 mil toneladas mês.
Como tem sido a relação da Nuclep com os governos municipais em Itaguaí, e de que modo a empresa se faz importante na cidade?
SEIXAS: Temos um bom relacionamento com os governos em geral. Não havia proximidade com o prefeito anterior [Carlo Busatto, o Charlinho]. Com o prefeito [Rubem Vieira] atual temos uma boa relação. Não tive contato ainda com o atual governador. Uma comitiva com o vice-prefeito [Valter de Almeida] está marcada para fazer uma visita amanhã [2 de março]. A Nuclep é importante também em função da empregabilidade do entorno, além da qualificação, pois preparamos vários profissionais em cursos com parceria com a Faetec [Fundação de Apoio à Escola Técnica] e com o Senai, por exemplo.
Como a Nuclep tem encarado a ideia de ser privatizada? O senhor é a favor da privatização?
SEIXAS: Depende do modelo de privatização. Sou favorável à privatização associada com uma companhia que possa investir. A Nuclep precisa da modernização de alguns equipamentos importantes, mas essa modernização tem custo. Como o governo federal não tem tido recursos e não vejo um horizonte em que se tenha dinheiro para isso, uma parceria seria interessante nesse sentido. A depender do modelo pode ser bacana para a Nuclep, sim. Não sou contra, o modelo pode ser positivo, mas o BNDES é que vai propor, e pode ser bom.
Quais são as dificuldades que a Nuclep ainda precisa superar e quais são os próximos planos para a empresa?
SEIXAS: A curto e médio prazo é se consolidar no segmento de torres de transmissão. Se tudo der certo, conseguiremos começar a faturar para investir na própria empresa a partir de 2022 e 2023. Hoje trabalhamos no vermelho, e esse é o principal problema da Nuclep. Não tínhamos mercado. Mas a nossa expectativa agora é que em 2022 consigamos zerar as dívidas, e depender cada vez menos do governo federal.
Via: O Dia
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