ITAGUAÍ – Uma menina de Chaperó com os seus nove anos com um violino nas mãos e muita vontade de fazer sair do instrumento uma frase melodiosa. Um menino no Mazombinha fascinado pelo piano dentro do ônibus. Outro, em Brisamar, admirado com um violoncelo à sua frente. E tantos outros em Itaguaí com a oportunidade de ter em mãos um instrumento para aprender a magia da música. “A gente lida com encantamento, é isso que a gente quer: que eles abram a mente, e que mais tarde Itaguaí possa contar com uma orquestra”, explica o mentor do projeto “Orquestra Jovem nas Comunidades”, Adriano Araujo de Souza.
O projeto leva o ensino de música (canto, violino e violoncelo) a centena de crianças e jovens em Itaguaí desde 2017. Na sua origem, as aulas eram nas escolas municipais. Em 2020, por causa da pandemia, o projeto passou a ser itinerante: um ônibus com um piano dentro visita todas as quartas e sextas comunidades de Itaguaí e os professores ministram as aulas nas praças. Às quartas, o veículo visita Chaperó, Estrela do Céu, Engenho e Vila Margarida. Às sextas, Mazombinha, Leandro, Brisamar e Ilha da Madeira. Às quintas, as aulas são na catedral São Francisco Xavier, no centro.
AMOR PELA MÚSICA
Adriano hoje tem 44 anos. Mas há 30 anos era mais um dentro tantos outros jovens na comunidade do Cação. Ele chegou à cidade aos cincos anos. Os pais dele vieram do Espírito Santos, passaram pela Ilha do Governador, na capital, e em seguida se fixaram em Itaguaí. Com nove anos, Adriano começou a se interessar por música. Quando ele tinha 12 anos, na igreja Congregação Cristã do Brasil, no bairro Montserrat, começou a tirar som de um violino graças ao professor Lionídio.
Uma veterana da música na cidade, Keila Zuliani - da Escola Dó Ré Mi - ficou sabendo que “tinha um menino que tocava violino em Itaguaí”. Mandou chamá-lo para juntos fazerem um recital, com ela ao piano. “Quando toquei, não sabia que era um recital para juntar pessoas para ajudar nos estudos”, conta Adriano. Além de Keila, duas grandes fomentadoras da cultura na cidade também participaram da formação do músico: Marilu Moreira e a Yolanda Rangel.
Graças às três, Adriano foi estudar violino no Conservatório Brasileiro de Música, na capital. Hoje, estuda Regência na UFRJ e Engenharia Civil na Estácio.
O projeto com as comunidades de Itaguaí tem um fundo emocional muito intenso para ele: “Quero devolver para cidade o bem que ela me fez ao apoiar o meu amor pela música”, resume o professor, que mora ainda na mesma casa da época em que aprendia a tocar as notas certas com o professor Lionídio.
INSTRUMENTOS EMPRESTADOS
Adriano conta que cada violino custa, em média, R$ 300. Ele leva vários kits de violinos com ele para as aulas, e, quando é possível, empresta o instrumento para alguns alunos praticarem em casa. O violino exige muita prática, mas o projeto ainda tem uma demanda de cerca de 80 instrumentos, apesar das doações de empresários da cidade.
Em 2017, o projeto começou com aulas na praça Vicente Cicarino, ainda como o nome "Projeto Orquestra Jovem Itaguaí". Em seguida, foi para o Itaguaí Atlético Clube e, depois, para um espaço na catedral São Francisco Xavier. Com a pandemia, o projeto mudou de nome (passou a se chamar "Projeto Orquestra Jovem nas Comunidades"), teve que se reinventar e Adriano conseguiu um ônibus com um amigo – ao custo de um aluguel simbólico, com motorista incluído – para levar as aulas até as comunidades. Um piano foi colocado dentro do veículo, para acompanhamento das aulas de canto e para levar o fascínio deste instrumento que a maioria das crianças destas comunidades nunca tinha visto de perto.
A boa notícia é que, no final de 2019, Adriano inscreveu o projeto em um edital e conseguiu apoio do Ministério do Turismo e da empresa Vale. Mas, é claro, toda a ajuda para estender o projeto para mais jovens e crianças é bem-vinda.
Adriano não está sozinho: o professor Artur Figueiredo toca flauta e ajuda no coral; Erik Cosme, formado em Belas-Artes pela Universidade Rural, ajuda nas aulas de violoncelo. Dois alunos já atuam como multiplicadores: Gabriel Camilo (que mora no Centro) e Viviane Vitória (que mora no Cação).
GRATIDÃO E ORQUESTRA
O projeto traz a palavra “Orquestra”, mas ela ainda nem existe. Está talvez em formação, pois talentos começam a surgir. Histórias emocionantes começam a se acumular e ser contadas: histórias de superação, de autodescoberta, de novas oportunidades e entusiasmo. A cultura é capaz das mais incríveis transformações pessoais e sociais. Cada vez que Adriano ensina os alunos a posicionarem o violino no ombro um mundo se abre diante deles. Um mundo no qual as maravilhas de Mozart, Beethoven, Bach, Schubert e demais gênios constroem caminhos luminosos, apesar de todas as dificuldades e limitações.
E se cada aluno de Adriano tem um mundo pela frente, a gratidão do professor por Itaguaí é a faísca que faz brilhar os olhos de cada criança que vê o ônibus da música chegando na praça perto da sua casa.
Via: O Dia
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