quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Professores de danças levam aulas para população de Itaguaí


Três professores de dança que atuam na cidade são a evidência da importância da cultura como meio de transformação do indivíduo

ITAGUAÍ - Nenhum dos três sequer chegou aos 40 anos de idade, mas eles já fizeram mais pela cultura de Itaguaí e pelos itaguaienses do que muita gente. Vários governos e mandatos passaram, pouca coisa mudou além do que eles próprios construíram com perseverança e talento. Não são os únicos no ramo, mas fazem uma grande diferença porque há o seguinte em comum entre os três: consciência cívica e responsabilidade social. Hanny Barbosa (19 anos), Jailson Trevysani (38 anos) e Edson Soares da Costa (31 anos) trabalham com dança e com amor ao próximo, às crianças e à cidade onde moram. Além de professores, são empreendedores culturais e agem também como motivadores sociais, apesar de todas as dificuldades financeiras e falta de estrutura adequada, às vezes.

A cultura é e sempre será um vetor de transformação: é por meio dela que se desenvolve uma visão de mundo, uma percepção mais aguçada dos vários significados dentro e fora dos sujeitos. Hanny, Jailson e Edson não só apresentam novas visões e estimulam as autodescobertas, eles apresentam novos caminhos. E se orgulham disso.

JAILSON TREVYSANI, 38 anos

Trevysani às vezes hesita em apontar a si mesmo como um pioneiro. Mas é fato que antes da década de 1990 pouco havia sido feito pela dança em Itaguaí. “Havia uma professora, mas ela foi embora da cidade”, conta ele, que começou a dançar mais ou menos em 2002, na Igreja do Evangelho Quadrangular, no bairro do Engenho. Foi ali que ele descobriu que sua vida seria na arte do corpo em movimento, pois a partir de 2004 passou por quatro escolas: Alice Arja; Centro de Arte e Dança de Campo Grande; Centro de Dança da Taquara e na Univercidade, curso superior de dança, na Lagoa.

Jailson Trevysani onde mais gosta de estar: no meio dos alunos, no meio da dança - Arquivo pessoal

Em 2005, montou um grupo que depois se tornaria a Companhia de Dança de Itaguaí. Batalhou pela criação da Escola Municipal de Dança da cidade. Conseguiu: foi diretor de 2017 até fevereiro de 2020. Em março, a escola deixou de funcionar.

A vocação para o trabalho social aliado à arte se materializou no Instituto de Dança de Itaguaí, que Jailson criou em 2006. Funciona no Engenho. São aulas de balé para crianças de 3 a 13 anos; zumba para adultos, hip-hop e capoeira, tudo gratuito para cerca de 90 pessoas.

Não tinha uma forma de custeio, mas, em 2010, o Instituto foi reconhecido pelo governo federal como o único ponto de cultura de Itaguaí. Por isso, recebia uma verba de cerca de R$ 60 mil anuais, que deixou de ser paga a partir de 2015.

Mas Jailson nunca pensou em desistir. Para manter o projeto social, decidiu criar o Estúdio de Dança Jailson Trevysani, uma escola profissionalizante que funciona no centro, perto da Câmara Municipal. São quatro salas que já chegaram a atender até 120 alunos. Lá, 10 professores (com o apoio de quatro funcionários) ensinam balé clássico, jazz, sapateado, dança afro, salão, pole dance, hip-hop e dança do ventre.

Nunca teve dinheiro da prefeitura. Mas o Estúdio paga o Instituto, pensou Jailson, com simplidade. E assim tem sido, apesar de um ou outro percalço aqui e ali.

Trevysani está na expectativa em relação a dois editais: um municipal e um da empresa Vale. Quer comprar espelhos para as salas, são caros. Mas isso em nada tira o entusiasmo dele: a lenda de Kiva e Laiá, que remonta às origens de Itaguaí, é o tema do espetáculo que os alunos do Instituto e do Estúdio, juntos, vão apresentar ano que vem. Os ensaios já começaram.

Que prêmios Jailson merece? Que incentivos? A resposta não é difícil: todos.

HANNY BARBOSA DA SILVA, 19 anos
A primeira coisa que surpreende quando se conversa com a professora de balé Hanny Barbosa é a sua idade: 19 anos. Mas ela começou cedo: aos cinco anos, já frequentava no Teatro Municipal as aulas de Jailson Trevysani. “Eu era disléxica, quando começava a dizer uma coisa já esquecia de tudo do começo”, revelou. Frequentou a Apae, ficou boa. Tão boa que se sente na obrigação de ajudar outras pessoas. Na igreja Metodista de Ibirapitanga, sugeriram: “por que você não dá aula aqui?”. Hanny tinha apenas 17 anos. Ela achou que talvez fosse uma boa ideia. E era. Com a ajuda da avó, montou uma escola, a Pontinha dos Pés, que funciona hoje em dia na Academia Kadosh, no centro.

A jovem Hanny (de preto) com sua turminha da manhã: levando o balé a quem não teria acesso de outro jeito 
Foto de Arquivo pessoal

São 37 meninas que estudam balé com Hanny ao custo de 10 reais por mês, algo impensável em uma escola tradicional. A menina mais nova tem cinco anos e a mais velha, 16. A professora monta coreografias para as meninas se apresentarem, como fizeram recentemente na feijoada solidária da Apae. A próxima apresentação será no dia 11 de outubro.

Interessante pensar que uma jovem de 19 anos, nos dias de hoje, diga algo assim: "Quero levar a dança a quem não pode pagar. A gente dá um prazo para as mães conseguirem comprar as roupinhas. Às vezes conseguimos doações. Precisamos de sapatilhas, são mais caras, custam de R$ 25 a R$ 40 reais”, explica Hanny.

O Porto Sudeste ajuda a escola, já doou cestas básicas durante a pandemia.

“Me sinto feliz por estar fazendo algo certo. A criança quer dançar e a gente proporcionar isso é muito legal, porque de outra forma a mãe talvez não pudesse pagar. Fico toda boba vendo uma menina conseguindo executar um passo de dança”, explica a professora, que tem planos de fazer curso superior e abrir um espaço exclusivo em Itaguaí.

Que cheguem muitas sapatilhas! E muitos pezinhos para calçá-las!

EDSON SOARES DA COSTA, 31 anos
Ele é conhecido como Edinho Breeze. Foi criado na comunidade Santo Amaro, no bairro da Glória, no Rio de Janeiro. Chegou em Itaguaí em 2009, mora no centro. Foi ainda na capital que Edinho se encantou com o street dance, quando integrou o grupo The Time. Tinha apenas 14 anos. Fez aulas de dança, mas parou quando foi servir na Aeronáutica.

Edinho (de cinza) observa alunos: dedicação a um trabalho tanto artístico quanto social - Arquivo pessoal

Já em Itaguaí, recebeu convite para dar aula no projeto Mais Educação. Lecionou na escola Severino Salustiano, no bairro Teixeira. Várias escolas receberam o projeto, e nelas Edson levou a magia do street dance para crianças que certamente ficaram fascinadas pelos movimentos.

“Sei que existe preconceito com esse estilo de dança, mas isso não tem nada a ver com a pessoa, ela pode ser quem ela quiser, a dança é uma forma dela se expressar”, explica ele.

Em Chaperó, deu aula com o grupo The Prince of Dance. Depois, em 2017, criou a Companhia United by Dance (UBD), que apesar de criada recentemente, já foi premida em segundo lugar em um concurso nacional.

O objetivo da UBD foi aproveitar os alunos do projeto Mais Educação. Ano que vem a Companhia vai criar polos para cooptar talentos nos bairros Chaperó e Mangueira. Os professores serão os próprios dançarinos da companhia, um grupo de 20 jovens com idades entre 15 e 21 anos (15 rapazes e cinco moças, 17 deles moram em Itaguaí).

Não satisfeito, Edinho criou a UBD Kids, que atua com 10 crianças. Os ensaios são de graça e a experiência é como uma escola.

A Companhia usa as instalações do Centro Social de Urbanização, que fica no centro. É lá que fazem eventos como o Café Cultural, com apresentação de grupos de dança de vários municípios e aulões com professores de outras companhias, como o recente “Favelação”. Cinco workshops estão programados até julho do ano que vem com profissionais de dança renomados de todo o país, com aulas gratuitas.

Em 2019, a UBD apresentou o espetáculo musical “A origem”, em que contou parte da história de Itaguaí.

Sobre o trabalho social, Edson diz: “É uma maneira de vermos aquele garoto e aquela garota ali com a gente, dançando, e não na rua”.

“United by Dance” talvez seja pouco. Não são só “unidos pela dança”, são “unidos pelo amor à dança e ao próximo”.

Via: O Dia

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