Obrigação de publicar conteúdos em plataforma digital da qual muitos alunos não têm acesso torna vida dos mestres extremamente cansativa
ITAGUAÍ - Uma das imposições da pandemia de coronavírus é o distanciamento social e a consequente paralisação das aulas em todo território nacional. Em Itaguaí não foi diferente. Desde 16 de março, com uma nova realidade sem professores e alunos frente a frente, instalou-se no município novos compromissos escolares. Os alunos devem acessar uma plataforma online chamada “Minha Escola Itaguaí”, na qual, em tese, obteriam conteúdos e indicações de trabalhos. Os professores devem preparar os conteúdos e passar os exercícios. Ocorre, porém, que para os professores tem sido um verdadeiro tormento conciliar as necessidades dos alunos com os obstáculos que as tarefas impõem.
Conforme reportagem publicada em O DIA em junho, a plataforma está longe de ser um acessório que de fato auxilie mestres e docentes a substituir as aulas presenciais. Grande parte dos estudantes da rede municipal não têm acesso à internet, o que faz com que pais se desloquem até as escolas para buscar as tarefas impressas em papel: isso significa muitas vezes custos de transporte e mais gente na rua em tempos de pandemia.
Com as exigências das escolas neste contexto, os professores estão estafados, estressados, exauridos e muito descontentes com a situação, conforme dois deles relatam a seguir.
PROFESSOR ANTONIO
O professor Antonio Carlos Corrêa tem 53 anos e mora em Nova Iguaçu. Ele trabalha na Escola Municipal de Educação Infantil Hypolito Vieira de Carvalho, na turma de pré-escola II.
O professor conta: “Está sendo muito estafante e estressante. Não tivemos orientação para utilizar a plataforma e não estamos tendo nenhum tipo de ajuda extra. Quando os meus dados móveis ficam fracos ou terminam, eu tenho que me deslocar até a casa da minha irmã para poder acessar a internet, usar a plataforma e enviar as atividades”.
Professor Antonio gasta horas do dia com pesquisa e paga consumo de dados móveis do próprio bolso para atender os alunos: estresse, estafa e prejuízos
O mestre prossegue: “Outro agravante é que os responsáveis das crianças não têm tempo para acessar a plataforma e muitas não possuem internet para uso próprio. Têm que se deslocar também até para imprimir ou pegar as atividades impressas pela escola. Por isso, temos que ficar disponíveis a qualquer hora do dia para tirar as dúvidas. Sendo assim, trabalho durante praticamente o dia inteiro e fico preso à obrigação de ter que acessar a plataforma várias vezes ao dia, o que torna o trabalho mais desgastante. Além disso, as atividades que envio são incompreensíveis para mães”.
Antonio diz que gasta várias horas do dia paras pesquisar atividades na internet porque os livros físicos estão na escola. Dos seus 20 alunos, menos da metade tem acesso à plataforma, principalmente porque não possuem acesso facilitado à internet. “Para nós que damos aula na educação infantil fica tudo ainda muito mais difícil”, conta ele.
O professor também tem problemas de outra ordem: “Durante esse período tive que fazer a manutenção do computador duas vezes e gastei dados móveis do meu uso pessoal. O trabalho dobrou porque o planejamento ficou mais rígido: tenho que passar atividades para os alunos fazerem na folha e nos livros. O aluno não está aprendendo com o lúdico, porque os espaços de suas casas não são adequados e as mães não têm como fazer atividades de psicomotricidade com as crianças”.
Além de gastar seu pacote de dados móveis pessoal, o professor lembra que a prefeitura (governo Charlinho) cortou o auxílio alimentação e o auxílio passagem, que poderiam ajudar a minimizar os prejuízos.
PROFESSORA NAIDE
Naide Ventura tem 47 anos, mora em Nova Iguaçu e é professora da rede municipal de Itaguaí. Ela leciona na Escola Municipal Prefeito Otoni Rocha, para o quarto ano do fundamental. São 30 alunos, mas só 16 deles têm acesso à plataforma “Minha Escola Itaguaí”.
Ela desabafa: “Essa jornada de trabalho remoto é estressante. Nós professores estamos fazendo o nosso melhor, usando internet que pagamos do nosso bolso, dividindo computadores, usamos telefone privado que consome nossos dados móveis. Tudo isso para alcançar o maior número de alunos. Mas a plataforma oferecida pela prefeitura não é de fácil acesso e não houve nenhum curso para preparar os professores. Simplesmente impuseram isso e nos cobram sempre. Gostaria que a cobrança fosse proporcional às ferramentas que não foram ofertadas”.
Naide tem dois filhos, um 13 e outro de 18 anos. “Os afazeres de casa agora me enlouquecem”, diz ela, que acrescenta: “às vezes almoço às 15h”.
A professora conta que precisa publicar atividades na plataforma toda segunda-feira até as 18h. São conteúdos, trabalhos e exercícios para ocupar os alunos durante toda a semana. Mas Naide precisa dividir o computador com os filhos (um está no oitavo ano e o outro no ensino médio). Por isso, mantém no WhatsApp um grupo com os pais de parte dos seus alunos que não têm acesso à plataforma. É desta forma que ela consegue fazer os trabalhos chegarem a todos os estudantes, com os respectivos gabaritos para os pais ajudarem na educação das crianças.
SEPE É CONTRA A PLATAFORMA
A representação de Itaguaí do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação no Estado do Rio de Janeiro (Sepe) discorda radicalmente da proposta do “Minha Escola Itaguaí”. O Sepe diz que quem faz os acessos, na maior parte das vezes, não são os alunos, mas diretores e funcionários das escolas, para imprimirem as folhas e entregarem em mãos para os estudantes ou seus pais. Há conteúdos sendo ministrados em disciplinas para as quais não havia professor. Houve corte de horas-extras e auxílios aos professores, que não foram treinados para operar a plataforma.
Além disso, de acordo com o Sepe, muitos alunos não têm acesso à internet e isso acaba por dificultar a relação ensino-aprendizagem. A precarização do trabalho do professor, denunciada pelo Sepe, só torna mais urgente os testemunhos dos professores que, para cumprirem sua missão, extrapolam a sua cota de sacrifício em prol da educação no município.
Via: O Dia
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