quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Campeoníssimo de Itaguaí na natação mundial mantém treinos de olho no ouro olímpico


ITAGUAÍ - Não é água que deve ser vencida, e sim o tempo e seus próprios limites. É o que se pode concluir quando Guilherme Costa, o “Cachorrão”, nascido e criado em Itaguaí, tenta explicar qual é a sua motivação no esporte. O jovem bonito, alto (1.85m) e esguio (72kg), com olhar tranquilo e aparentemente tímido já deixou de ser promessa e hoje é um dos melhores nadadores do mundo. Da academia “Mergulhe Nessa”, perto do Morro do Corte, para as melhores e mais competitivas piscinas do planeta. Com sete anos, o professor Luís Antônio disse à mãe de Guilherme, Maria Cláudia: “leva jeito, vai ser nadador”. Pois então, Guilherme não apenas levava jeito: é um fenômeno. Hoje, com 21 anos, em plena pandemia, Guilherme não perde o foco. O objetivo é repetir os índices que podem levá-lo a representar o Brasil em Tóquio, quando houver Olimpíada. Itaguaí estará no pódio com ele, claro.

Já é folclore a origem do apelido. Conta a mãe que Guilherme estava com a família de férias em Angra dos Reis e um pitbull na praia o atacou e o mordeu. Todos ficaram preocupados, mas no dia seguinte o cão apareceu morto. Virou piada: o perigo era para o cachorro, não para o atleta. Daí ele virou “Cachorrão”, inclusive internacionalmente.

CAMPEÃO EM TODAS

Guilherme Costa é um fenômeno porque, de forma incomum, foi campeão em todas as categorias que disputou. Aos 14 anos foi campeão brasileiro da categoria Infantil. Nas categorias seguintes, como Junior 1 e 2, o melhor do Brasil de novo. Como juvenil, mais uma vez. Como adulto, conquistou títulos em 2016 – sua especialidade na época era os 1.500 metros. Já disputou pelo Botafogo, Fluminense, Unisanta, Pinheiros e Minas Tênis (clube atual).

Com seis anos, em Itaguaí, quando tudo começou: academia de natação no Morro do Corte - Arquivo pessoal

“Não temi a mudança de categoria de juvenil para o adulto porque já tinha costume de competir com os mais velhos”, explica Cachorrão. Realmente não havia o que temer, porque, ao contrário de muitas promessas do esporte, a trajetória de Guilherme só foi ascendente. Tanto é assim que ano passado, nos Jogos Pan-Americanos de Lima, o feito foi histórico: medalha de ouro nos 1500 metros livres, com um tempo de 15m09s93. O Brasil não ganhava esta prova nos Jogos Pan-Americanos desde que Tetsuo Okamoto a venceu na primeira edição dos Jogos, em 1951.

Alguns meses depois, no US Open (em piscina longa) em Atlanta, quebrou o recorde sul-americano em três provas: 400 metros livres (3m46s57), 800 metros livres (7m47s37) e nos 1500 metros livres (14m55s49). Com esses tempos, Cachorrão alcança os índices para fazer parte do time do Brasil na natação e para participar de finais olímpicas. Isso significaria ter Itaguaí na Olimpíada.

Uma das conquistas em Lima, Peru, no ano passado: carreira vitoriosa como poucos - Arquivo pessoal

RAÍZES E RIGORES

A família se mobiliza em torno do campeão, a fim de dar a ele suporte, condições, apoio. Eles mantêm ligações com a cidade, apesar de não morarem mais no município para que Guilherme fique mais próximo do Parque Aquático Maria Lenke, onde tem treinado, na Barra da Tijuca. Mas a mãe Maria Cláudia é funcionária pública em Itaguaí. “Vamos com frequência, temos uma casa, amigos, passamos finais de semana”, conta ela. Guilherme diz que tem amigos na cidade, mas conversa pouco com eles por causa da rotina de atleta.

Até 2016, Cachorrão treinava em Itaguaí, alternando com a Barra da Tijuca. Depois, a família decidiu se mudar para facilitar e organizar melhor a vida de todos.
Essa rotina se traduz em alimentação rigorosa, sem produtos processados, cinco refeições por dia, suplementos importados dos EUA, hora para acordar e para dormir, dentre outras obrigatoriedades típicas de grandes campeões do esporte.

“Temos muito orgulho dele, e não deixamos que ele esqueça das suas origens, de Itaguaí, da cidade onde ele nasceu e onde tudo começou”, explica Maria Cláudia.

SEM PATROCÍNIO, MAS COM PREPARAÇÃO

Apesar de carreira incrível que tem construído, Guilherme Costa, atleta com potencial olímpico inegável, está sem patrocínio. As coisas melhoram um pouco depois do Pan-americano de Lima, mas o nadador gostaria de treinar na Itália, e não há verba para isso. Ele conta com um salário do clube Minas (nenhum clube do Rio de Janeiro fez propostas) e a bolsa-atleta do governo federal. Não é o suficiente, mas pai e mãe continuam a apoiá-lo, como fazem desde que ele pulou pela primeira vez em uma piscina.

Apesar de uma dificuldade aqui e ali, Guilherme não engordou um grama durante a pandemia, apesar de ter ficado 15 dias sem treinar. Ele diz que já contava com o adiamento da Olimpíada. O foco é repetir os índices obtidos no US Open em dezembro do ano passado, índices que jogam Cachorrão dentro do time olímpico e o credenciam a disputar provas com chance reais de medalhas.

Então, a tenacidade de campeão falou mais alto: com equipamentos emprestados pelo Comitê Olímpico Brasileiro, a família organizou o espaço no apartamento e o atleta conseguiu se exercitar para não perder tônus, disposição nem musculatura para a disputa pelos índices olímpicos. A academia do Parque Maria Lenke fechou por causa da pandemia? Improvisa-se então uma na varanda, pensaram os Costa.

Na varanda de casa, em academia improvisada: sem chance de perder o foco - Arquivo pessoal

Mesmo sem data para as seletivas, a perseguição pelo ouro olímpico nunca deixou de ser uma realidade para o jovem Guilherme. “Achei até bom que a Olimpíada fosse adiada, porque assim me preparo melhor fisicamente”, disse ele, que aponta Itália e Austrália como adversários mais difíceis a superar. No Brasil, cinco ou seis atletas rivalizam com ele a disputa pela vaga. Hoje a prova favorita do itaguaiense é a dos 800 metros. São 16 viradas na piscina. Haja fôlego.

Além de atleta brasileiro de ponta, Guilherme é militar e estuda Administração pela Fael, de Itaguaí. Pois é, ele não estuda Educação Física. “Comecei a estudar isso, mas depois vi que tinha coisas que não me interessavam, aí resolvi partir para Administração”, explica na lógica de quem é muito jovem, mas cujo futuro vem sendo construído com muita determinação. Talvez o Morro do Corte nunca mais veja um campeão como ele.

Via: O Dia

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